Carta para minha filha
A mais recente carta que escrevi para a minha filha em que conto sobre fatos do cotidiano e sobre o quanto isso toca as nossas vidas com aprendizados valiosos que levaremos para sempre.
Esta newsletter tem crescido de tamanho a cada semana. São novos olhos que chegam e sempre quero me superar em relação ao texto anterior. Pois sempre haverá alguém que estará lendo pela primeira vez e esta poderá ser sua (e minha) única chance de conhecer (e quanto a mim de mostrar) como escrevo e de constatar de que meus textos são mágicos (isso explico nos comentários, se alguém perguntar).
Em 2018, grávida, comecei a escrever cartas para a minha filha Nina. Nunca parei. A minha prioridade com essas cartas era a de registrar os momentos para que ela pudesse ler quando crescer. Aos poucos elas foram tomando um tom literário e passei a ter também uma vontade de compilar as cartas em um livro. Devo fazer isso um dia.
As primeiras cartas foram postadas no instagram, o trecho que cabia.
No meu texto anterior escrevi que as pessoas que amamos são portais de acesso para novas perspectivas de nós mesmos. Então, nesta semana, vou aproveitar esse portal que é minha filha para mim, para compartilhar a carta que escrevi para ela falando sobre os dias de férias na casa da minha cunhada, madrinha dela:
Filha,
Ano novo, 1 semana na casa dos seus padrinhos. Dias de sol, outros de chuva, depois dias de frio. Sua prima amada, crianças que foram chegando e você a menor, do alto de seus 4 anos lutando por seu espaço, por sua vez nas brincadeiras, com sua autoestima intacta de filha única e sem ameaças de outro amor para seus pais. A nossa relação se estreitando, sem o distanciamento do meu cansaço, e suas confidências, aos poucos, se abrindo como pálpebras, acordando nossa parceria.
“Mãe, eu não gostei que a Flora saiu do quarto com a Luiza e a Xarô e fechou a porta para mim e me deixou sozinha lá dentro”.
Então você precisa dizer a ela, filha!
“Mamãe, que fala”.
Não, filha, se você se incomodou, você que fala.
“Então vamos comigo!”
Acabei cedendo e entrelaçando meus dedos nos seus. A Flora apareceu diante de nós e você disse enfática: "Flora, eu não gostei que você fechou a porta do quarto e me deixou sozinha lá dentro."
Flora tem só 7 anos, soltei sua mão para que ela pudesse se resolver com você sem a minha presença, mas ainda pude ouví-la dizer:
“O quê que tem, Nina? Se eu fechei a porta o quê que tem? Era só você abrir!"
E ali reconheci lições grandiosas da vida, meu amor. E sei que mesmo sem ter o meu entendimento, você as absorveu à sua maneira. Vale se posicionar, expressar seus sentimentos, atravessar as pessoas com aquilo que nos atravessa, e também vale não se vitimizar, abrir as portas que forem fechadas, porque elas nem sempre estão mesmo abertas, e ninguém mais pode abri-las por nós e que, mesmo que as fechem para nós, são só portas… É da natureza das portas a abertura e o fechamento, assim como é da natureza das mãos girar maçanetas e da natureza dos passos atravessar todos os portais, mesmo os que estiverem fechados.
No dia seguinte ia ter samba, celebração e festa, dança e música, pessoas e encontro. Chegaram outras crianças e com elas seus encantos: Antonio, 9 anos. Antonio, de quem não cheguei a tirar uma única foto como memória do que ele lhe causou, mas a vi me procurar: "Mamãe, quero te contar uma coisa… Sabe aquele menino de camiseta verde?" e o apontou com um gesto discreto de cabeça. "Então… Eu gostei dele." Falei: “Que legal, filha!”. "Não, mamãe, você não está entendendo. Eu quero me casar com ele! Eu gostei mais dele que do Pietro", o seu amiguinho preferido da escola. E ao dizer isso seu sorriso tinha mil cores novas, assim como o brilho do seu olhar. Depois de um tempo você me procurou novamente e me falou: "Mãe, quero que você fale pra ele que eu sinto amor por ele."
“Não filha, se você quer, é você que precisa falar isso para ele.”
E você já puxou minha mão e me pediu para ir junto. Chegamos na frente do Antonio, sentado no sofá com outras pessoas em volta, você soltou minha mão se aproximou um pouco dele e uma de suas pernas deram um passo a frente na direção dele, um passo que durou o tempo do que você iria dizer e que protegia as palavras dos ouvidos de muita gente. Com a força das decisões verdadeiras seus lábios falaram:
"Antonio, eu sinto amor por você"
Depois que todas as letras saíram, você abriu um sorriso sem desviar os olhos dele. E ele?
Que importa o que ele disse ou fez? Você já tinha feito tudo.
P.S.: Filha, quando os filmes acabam sobe um letreiro com todos os nomes de quem trabalhou na obra. A maioria das pessoas levanta do cinema nesta hora e vai embora ou, se estiver em casa, simplesmente desliga a TV ou vai assistir outra coisa, mas alguns diretores, são como eu, eles reservam para o final uma cena extra, escondida, que somente alguns vão ver. Eu sempre intuo quando haverá essa cena e fico esperando todos os créditos passarem. Então se você leu até aqui, você é como eu. O texto acabou antes, mas te ofereço mais uma pequena cena, real e acontecida:
Antonio, olhou para mim, muito sem graça, o que ele poderia responder a você, que tinha a sua mãe ao lado? Eu falei em seu ouvido “filha, acho que ele gostou, mas ele está tímido porque estou aqui com você, melhor eu sair, né?” E você me confirmou balançando um sim com a cabeça, mas depois a Ju, que também estava no sofá, me contou que ele te falou: "Como assim 'amor'? Amor de amizade, né?" e você sorrindo confirmou "é!" e emendou "Você quer brincar comigo?" e ele "Do que você quer brincar?"
Semana que vem tem mais! Curta, comente e compartilhe, espalhe esse amor que coloco nessas palavras. Que elas cheguem a você com tudo de maravilhoso que procuro colocar nelas enquanto escrevo.
Boa semana!
Aline***
Meu amor, eu amei muito esse suspense que você deixa no leitor. Amei com força essa carta: continue escrevendo sempre que terei o prazer de ler!
Boa semana para você também Aline. Gratidão por compartilhar a Carta para a sua filha.