Carta para minha filha (mais uma!)
Uma forma de registrar e contar para minha filha momentos especiais que vivemos juntas
Olá, querido leitor e leitora! Tudo bem?
As férias escolares tem seu impacto na vida dos pais. Então com as férias da minha filha eu me dei o direito de relaxar por aqui com o meu prazo de entrega da newsletter. Vou deixar em aberto mas vou procurar escrever pelo menos um texto a cada 15 dias.
Para esta quinzena, resolvi partilhar um registro que faço com alguma frequência, tornando público ou não. Desde a gravidez comecei a escrever cartas para minha filha, para que um dia ela possa ler e saber de momentos especiais que vivemos. Publico aqui a mais recente:
A sua boca estava aberta, com algumas mãos e instrumentos sendo manipulados nela para tirar uma cárie, você ameaçava chorar e já tinha lágrimas querendo saltar dos seus olhos. Nossas mãos estavam dadas uma a outra porque você pediu logo que o tratamento começou. A dentista falou "ah, não precisa chorar" quase ao mesmo tempo em que eu disse "você quer chorar? se quiser pode chorar" e ela, sensível, se corrigiu compreendendo que é permitido expressarmos nossos sentimentos, sobretudo quando temos 4 anos e não está muito claro o que está acontecendo e porque temos que viver aquele incômodo. Aproveitei para contar que eu também choro, achei que você se lembrasse, pois já me viu chorar, mas você não lembrou e quando eu mesma tentei me lembrar eu tive uma epifania. Desde que você nasceu tenho chorado menos. Tudo que me incomodava diminuiu de tamanho para dar lugar a sua luz, aquela que te dei ao nascer e que ainda brilha em você a cada instante.
Depois, no carro, ao voltarmos para casa eu ainda pude me dar conta da preciosidade que são os momentos em que vivo com você. Pude apreciar que somente quando estamos só nós duas, sem seu pai, é que sua mão procura a minha e não a dele, o meu colo, e não o dele e que você pode me contar sobre algo que viveu na escola, que sentiu, como se escapasse uma faísca dos seus sentimentos ainda muito precoces para conseguirem ser explicados. Fico com as faíscas como peças pequenas de um quebra-cabeça a montarmos juntas, eu sempre tentando antecipar a imagem que irá surgir dali, mas neste jogo não há nada que existe previamente. A imagem também está sendo construída enquanto montamos a nossa vida, quem somos e o que sentimos.
Na semana anterior, enquanto esperávamos ser chamadas pela dentista você me perguntou: "Você viu aquele homem que se levantou e entrou?", eu nem tinha prestado a atenção e você continuou: "Então… Ele tinha mais ou menos a idade do vovó Carlos… Assim… Eu acho" e gesticulou com as mãos enfatizando sua fala. Eu só “Hmm” e você continuou:
– Ele ficou me olhando.
– Hmm
– E eu também fiquei olhando para ele.
Então você sorriu um riso tímido e se levantou, vindo na minha direção, para cochichar algo em meu ouvido:
– Então que fiquei assim, tipo… Apaixonada!
Quando contamos para o seu pai, ele tenta te corrigir : "Não filha, apaixonado é uma palavra que usamos para falar de alguém com quem queremos namorar, casar…"
E você logo o interrompe:
– Mas é exatamente isso.
[risos]
Quando eu tinha uns 6 anos, minha família me levou para um passeio de barco em Barra Bonita. No barco conheci um moço, adulto, não me lembro o nome, mas sei que pensei nele por muito tempo. Ele conversou bastante comigo e eu também fiquei apaixonada, filha. Só acho que nem conhecia essa palavra.
E esta situação tem se repetido. Esses dias no restaurante japonês fomos servidos pelo Sidney, um rapaz longilíneo, de pele morena e cabelo bem crespo e volumoso. Você me confidenciou no ouvido novamente:
— Sabe esse moço? Eu estou apaixonada por ele. Mas por favor não fala na-da. NÃO FALA NA-DA!
Falei que você mesmo deveria falar, que ele se sentiria feliz em saber, mas respeitei o segredo que você preferiu guardar entre nós.
Entretanto, aqui nesta carta, que escrevo para você mas que também publico socialmente, estou revelando o seu segredo. Mesmo assim, não se preocupe, acho que o Sidney não vai ler.
Olá Aline, que alegria em ler está carta e saber que aqui em casa minha filha ela gosta que eu levo ao dentista hoje ela está com 13 anos. Abraços fraternos.