O dia da festa de aniversário da minha filha e o quanto o tema escolhido (por ela) me tocou
Comecei a escrever este texto na noite pós a festinha e terminei quase uma semana depois
O dia adormece com chuva. Deito no sonho que tive e realizei. Foi só um dia de festa, mas isso pode ser tanto. Reunir tantos sorrisos em volta que a gente até esquece o universo que se celebra (afinal cada pessoa é um universo inteiro e em um aniversário celebramos o universo que o/a aniversariante é) , mas mesmo assim ri, porque esquecer é a atenção dos sentidos. Quando tudo vibra, não precisamos lembrar de nada. As coisas simplesmente são. Nós também. Fiz tudo por ela, minha filha, mas enquanto fiz, me encantei. Esse tema “O mágico de Oz”, uma história de um filme antiiiigo, que ainda mantém apelo e vida. Uma menina que deseja um mundo além do arco-íris e acorda de um sono profundo em um país desconhecido. Sem saber, mata uma bruxa e reencontra uma outra que indica um caminho de pedras amarelas. O sol que costuma raiar dourado sobre nossas cabeças, de repente aparece iluminado sob seus pés. Esse caminho de luz a leva ao encontro de um espantalho, de um homem de lata e de um leão. A jornada os faz irmãos, desses que chamamos "amigos" e vamos encontrando pela vida, ainda que busquemos pontos de chegada tão diferentes. Um queria um cérebro, outro um coração, outro a coragem.
"Você não é bem meu amigo, seu caminho não é o meu caminho e mesmo assim andamos de mãos dadas".
(Khalil Gibran)
Seguem juntos ao encontro do grande mago, o bruxo de Oz, para descobrirem que ele era uma farsa, mas que, mesmo assim, suficiente para fazê-los perceber que já tinham em si o que mais buscavam. E que cada personagem da história era também uma representação de aspectos da própria Dorothy, a menina sonhadora, que os desenhara em imagens mergulhada em seu próprio sono. Pensar, sentir e agir. As faculdades humanas que precisam caminhar de mãos dadas e que ficam comprometidas uma sem a outra. Não se deve agir sem pensar, assim como é perigoso pensar sem sentir, ou sentir sem pensar. Eles ficam em Oz, mas Dorothy volta para casa com o que aprendeu de cada um. Assim como voltamos dos encontros com nossos amigos, trazendo o melhor deles por dentro.
Quando minha filha escolheu esse tema para o aniversário eu ainda não tinha sido capaz de me atentar para todos os símbolos contidos na história. Cerca de um mês antes, em um hotel fazenda, conheci alguns monitores que contavam histórias para as crianças antes de iniciar as atividades lúdicas que se seguiriam. As caçadas a um tesouro se tornavam ainda mais mágicas porque, em meio a procura, as crianças se deparavam com fadas, perseguiam as cores do arco-íris e celebravam as estrelas. Um deles encantou a minha filha e pela primeira vez ela (e eu também!) sentiu vontade de ter um monitor em seu aniversário. Combinamos com ele uma caçada inspirada no filme, primeiro a contação da história, depois eles encontrariam elementos do filme e ganhariam lembrancinhas que remeteriam aos presentes dados pelo mago de Oz: um diploma (para o espantalho que já era inteligente), um coração (para o homem de lata que já era sensível) e uma medalha (para o leão, honrando sua coragem), cada criança recebeu essas 3 lembranças simbólicas e, por último, uma casa, o lar para o qual Dorothy desejava voltar, a origem onde podemos reconhecer quem somos e o amor que nos permitiu atravessar a primeira infância respirando, afinal, diferente de outros animais, somente um amor puro e atento, ainda que não percebido desta forma, é capaz de manter um bebê vivo, alimentado, aquecido e banhado. Cada humano deste mundo recebeu alguma proporção deste cuidado e nele nos reconhecemos na fragilidade e impotência que um dia vivenciamos entre mãos cálidas dos cuidadores que nos deram colo, alimento e água, enquanto perdiam sono, horas e descuido com a vida. Responsabilidade por um outro ser é peso ainda maior que as tarefas do afeto.
Então sem notar, um conto infantil, tinha nos mostrado, em um único sopro quente, o devagar de amadurecer e tornar-se inteiro, tendo cravado, em si mesmo, os muitos pedaços dos que suavizaram a nossa passagem. Quem foi o nosso espantalho? Que pessoa foi ou é o nosso homem de lata? Há em nós um leão? Para os convidados mirins do festejo da minha filha o encontro alquímico aconteceu, foram embora carregando um diploma, um balão vermelho em formato de coração e uma medalha escrito "coragem", além de uma casa e a ser montada e pintada com a família para representar a sua própria.
Eu tinha um desejo de uma celebração que experimento nas festas da família do meu marido, de “encontro” em seu sentido mais profundo, aquele que cometemos mais com a alma do que somente com o corpo, embora também com ele e todos os sentidos no presente. O encontro não pode acontecer nos buffets infantis, pois não tem hora marcada e precisa de tempo prolongado para se permitir inteiro, nos buffets as festas precisam terminar em até 4 horas. Por isso precisava ser em um espaço extensão da minha casa, mas tinha as suas limitações físicas. Não caberia todo mundo. Esse foi a estresse que vivi antes da festa acontecer. Já que escolhi o salão do meu condomínio e que só as famílias das crianças que estudam com minha filha já são suficientes para preenchê-lo. Ainda tinha famílias de primos (acabo tendo que optar por convidar somente os que tem idade próxima da dela), famílias de crianças do condomínio e amigos íntimos. Fica praticamente o número de convidados de um casamento. Mesmo sendo o mínimo. E no final das contas tudo funcionou como eu queria. As pessoas queridas, os amigos da minha filha, a família, todos vieram e celebraram a sua existência. Só choveu no final da festa, então o salão ficou vazio e as pessoas curtiram as áreas ao ar livre. Fiquei preenchida por ter proporcionado e vivido esse sonho com ela e para ela. Ao final cantamos e dançamos ao som da própria família que tem como músicos principais meu marido e meu cunhado. Eu tenho uma sede de conexão que só é atendida por alguma intimidade, doçura e alegria partilhada. Necessito do rito, da entrega, do riso e do amor. Acredito que os tive e fiquei grata.
Ao final do parabéns minha filha fez questão de dar o primeiro pedaço de bolo para uma amiguinha da escola, a Olivia, e o segundo para a Sussu, que trabalha em casa e é muito cuidadosa com ela.
Choveu no final da tarde com o dia escurecendo e algumas pessoas começando a se despedir, enquanto outras se amontoavam ao redor dos músicos. Fui feliz.
Em um intervalo, enquanto estava finalizando este texto, o seguinte parágrafo se apresentou para mim e corri para escrevê-lo:
Um livro leva a outro livro, assim como uma história leva a outra história, e uma vida também leva a outra. É por isso que nossa vida é (bem-)vinda de outra, acontecida antes.
Ele não se conecta diretamente ao que estava escrevendo, mesmo assim alude ao fato de que explorei uma história e virão outras, outros livros, e com eles outras vidas sendo tocadas. Espero que a sua!
Aline***
Bom dia Aline! Parabéns por proporcionar uma reflexão do linda sobre o aniversário da sua filha . Tenha uma semana cheia de amor e alegria. Abraços