O que fazemos por amor e os aspectos do amor desde a Grécia Antiga
E também dicas preciosas de música, filme e mais!
Eu sofro de um mal como escritora. O que mais me inspira é minha própria vida. À ela que sinto o impulso de espremer em palavras, e espremer pode ser uma forma de exprimir
, pois eu mesma preciso beber seu sumo e derramar sua seiva no papel.
Quando crio uma frequência na escrita penso o quanto tudo e cada instante poderia ser um texto. E não qualquer texto. A vida está carregada de beleza
e significado
, talvez estas duas palavras [beleza e significado] sejam o resumo daquilo que me interessa como leitora. Este sábado, por exemplo, em um aniversário de família, sentei para conversar com as tias do meu marido. Elas me contaram tantas histórias do passado, cada uma valeria um texto. Enquanto isso, minha filha brincava com os primos. Fui inundada por aquela nuvem de união que sempre perpassa as reuniões dessa família e me inebria de afeto. Foi ficando impossível deixar aquele lugar, para as crianças (e para nós adultos também). Elas [crianças] ficaram me pedindo para que minha filha dormisse ali. As horas foram avançando, os convidados se despedindo e deixando o aniversário, a noite escurecendo e esfriando sem ameaçar a calor do encontro. Até que meu marido me fez o convite "vamos dormir aqui com ela?". Eu não tinha levado roupa, escova de dente, pijama, nada. Mas a alegria dos filhos é o completo preenchimento de qualquer outra necessidade. Aceitei.
Na manhã seguinte acordei ao lado de três crianças que ainda dormiam. A imagem perfeita e imantada da paz.
"Tudo o que dorme é criança de novo" .
(Fernando Pessoa)
E ali, mesmo acordada, fui criança de novo. O quarto estava claro, recebendo o dia iluminado por uma enorme janela. Logo uma das crianças acordou e depois outra e outra. Desceram as escadas rindo e brincando e as ouvi sendo recebidas pela avó. Pude imaginar a mesa posta e a urgência da companhia que tanto vivi na minha infância. O sono nunca era maior que o anseio de conviver. Estar junto era um presente que, só agora compreendo, é dado pelos irmãos. Minha filha única não sabe o que é dividir a atenção dos pais. Quando temos com quem dividir aprendemos não só a aceitar que nem tudo pode ser nosso, na intensidade da nossa vontade, como também que precisamos valorizar cada parte que temos daquilo. Acho que, no fundo, eu não podia perder nenhum café da manhã com meus pais e minhas irmãs, e outras refeições que fazíamos juntos, porque se eu me ausentasse, era como se elas pudessem me "tomar" o que antes era só meu, já que sou a filha mais velha. E ali, quanto mais juntos vivíamos, mais sentíamos que era algo que continuamente desejaríamos ter.
Para Platão, na obra "O Banquete", Eros [desejo] precisaria da falta para existir. Como poderíamos desejar algo que já temos? E com isso ele explicaria este aspecto do amor, mais presente na paixão e no início dos relacionamentos, quando ainda estamos muito próximos da falta.
Em meados de 2009 tive oportunidade de assistir a uma palestra do filósofo francês André Comte-Sponville em um evento virtual, incomum à época, para uma pequena plateia, na Casa do Saber, em São Paulo.
Poucas vezes uma aula se manteve tão viva durante os anos. Ainda me recordo de seu conteúdo, apesar de alguns pontos terem se ofuscado na memória. Sponville explicava justamente os aspectos do amor. E a solução para esse amor platônico seria o amor [Philia] que não se esgota na presença, aquele que experimentamos na amizade, aquela pessoa que continuamos a amar e desejar [estar perto] mesmo estando diante de nós, como um banquete que não nos tira a fome, mas sim nos deleita com sabores e aromas por horas a fio… E horas são apenas uma metáfora de uma eternidade possível.
Ele ainda contou sobre o aspecto mais sublime do amor, o amor de Deus por nós, ou o que é experimentado quando temos filhos. A esse aspecto do amor dá-se o nome: Ágape. Lembro do exemplo que Sponville deu, o de um pai que ouve os filhos bagunçando no quarto e sobe as escadas pronto para dar uma bronca, mas que, ao abrir a porta, os vê tão felizes e inteiros que desiste. Procura sair de fininho, sem ser visto, fecha a porta com delicadeza e desce as escadas na ponta dos pés.
"É quando escolhemos existir menos para que o outro possa existir mais".
(André Comte-Sponville)
É quando deixamos de lado o que priorizamos para aceitar com alegria o que é prioridade para o outro. Veja, com alegria
, ou então não estaríamos falando de ágape. O sentimento de amor desse pai torna natural e confortável qualquer sacrifício e esforço. Deixar de priorizar a ordem e a disciplina para, por hora, priorizar a diversão e alegria dos filhos é um impulso vital naquele momento. Vital e amoroso.
Foi a minha escolha, deixar de priorizar o meu conforto e a vaidade para priorizar a alegria e a convivência da minha filha com os primos. Escolha que também me contemplou, pois vivi instantes de acolhimento e contemplação que não teriam acontecido sem a insistência das crianças em dormirem juntas. O amor sempre contempla, ensina, acolhe e abraça. O que fazemos com amor puro não precisa voltar para nós, já está em nós.
É bem diferente de Eros, o “apaixonamento” vão que exige troca, atenção, retorno. Em Eros também fazemos pelo outro, mas desesperadamente, e precisando de afeto em troca. É muito diferente. É a paixão, que em sua etimologia está a palavra pathos, em grego, que significa doença.
Mas estes aspectos não aparecem assim separados um do outro em nossas vidas e relações, eles estão emaranhados e convivem juntos. Permeiam todos nossos laços e afetos. Viveremos os instantes de Eros, mais possessivo e doentio, a elevação de Philia, confortável e doce e a sublimação de Ágape, terna e etérea, em cada um de nossos amores. Faz sentido?
E bem quando eu contava sobre as minhas palavras que, fatalmente, expõem muito sobre mim e minha vida acabei escrevendo um texto bem mais impessoal.
Dicas da semana:
Uma newsletter ótima que encontrei por acaso e que justamente aborda o tema que eu gostaria de abordar nesta semana mas que acabou me fugindo enquanto segui por outro rumo. Vale a leitura!
Um presente especial para dar a uma criança: Porta das Fadas e dos Elfos (aqui em outro site)
Trata-se de uma portinha de madeira com adesivos e “pó mágico” para serem colados na parede e se tornarem a porta de entrada para uma fada ou elfo visitarem o quarto da criança levando histórias, que também já vem no kit. Quando menos esperar uma cartinha aparecerá pendurada na portinha, sinal que alguém invisível esteve ali. Um bom motivo para a leitura e reflexão do bilhete que foi deixado. O quanto o contato com esse mundo mágico da fantasia faz bem para a primeira infância poderia ser tema de uma newsletter só para isso. O que posso adiantar é que as histórias tem sempre algo interativo para que a criança possa se expor e assim serem conhecidas e orientadas, quando necessário, e também ensinam situações práticas com sensibilidade e de forma lúdica.
Um vídeo:
Fiquei encantada com esse vídeo que conheci através da ótima newsletter “Isto não é um telegrama” de Mariana Moro, que, por sua vez, o descobriu na também excelente newsletter “Te escrevo cartas” de Paula Maria. É um TED com o ator Ethan Hawke, que adoro desde que eu e ele éramos jovenzinhos (rs)
Um filme
Falando em Ethan Hawke lembrei de sua parceria de sucesso com o diretor Richard Linklater (em “Boyhood” e na Trilogia de filmes iniciada por “Antes do Amanhecer”). Há uma animação menos conhecida do diretor, com participação de Hawke, que não encontrei em nenhum streaming mas que pode ser vista legendada neste link do facebook: Waking Life
Uma música
Muito propícia para ouvir durante todo esse mês de maio e para nos ajudar a lembrar da luz e do céu de maio. Mês de Maio, de Almir Sater.
Agora é com você! Comente, deixe suas dicas, compartilhe, espalhe e, claro, também curta a leitura e me deixe saber ao clicar no coraçãozinho. Combinado?
Se perdeu não deixe de ler a minha newsletter da semana passada: aqui
Uma semana maravilhosa para você!!!
Um mês de maio lindo para nós!!!
Beijos de luz,
Aline***
Olá Aline, lendo esta Carta lembrei de como é bom aproveitar os bons momentos em família e eu fiz muito isso na casa da minha avó materna e hoje é só boas lembranças. Parabéns pelo belíssimo texto. Paz profunda!!! Abraços fraternos.